As lutas de Shane McMahon no WrestleMania

Visto como um dos lutadores de meio-período que mais se arriscam nos ringues da WWE, Shane McMahon entregou em sua carreira alguns dos momentos mais memoráveis e arriscados da história da companhia. Como por exemplo, no SummerSlam de 2000, em um combate contra Steve Blackman, em que o herdeiro de Vince McMahon saltou de uma plataforma de mais de 12 metros de altura. Ou, então, quando foi arremessado por Kurt Angle contra uma parede de vidro no King of the Ring de 2001. As perigosas acrobacias de Shane O’Mac lhe conquistaram um lugar na história da luta-livre e na memória afetiva dos fãs.

No entanto, na WWE, a consagração das lendas acontece em apenas um espetáculo anual: o WrestleMania, palco das maiores rivalidades, dos combates mais memoráveis e da coroação de futuros ídolos. Em sua carreira, McMahon participou de sete combates no “mostruários dos imortais” – cinco dos quais, a partir de 2016, quando já tinha 46 anos de idade. Seriam estas lutas importantes qualitativamente para o legado de Shane ou estranhamente apenas detalhes em uma lista de combates memoráveis fora do maior evento da categoria?

Os primeiros anos

Shane McMahon fez seu primeiro combate no WrestleMania em 1999, bem no meio da energética e ousada Attitude Era. Mesmo tendo atuado como árbitro e parte da equipe técnica na WWF desde o final dos anos 80, McMahon foi apenas formalmente apresentado ao público como o filho do chefe no início de 1998, enquanto atuava como um dos agentes responsáveis pelo pugilista Mike Tyson, na história considerada o pontapé inicial para a época mais rentável da companhia até então.

Na época do WrestleMania XV, Shane fazia parte da Corporation, um grupo de vilões liderados por Vince McMahon, representando a autoridade da WWF, em guerra com os rebeldes da D-Generation X (DX), liderados por Triple H. A parceira de Triple H, Chyna, havia se aliado à Corporation, causando uma rachadura no grupo de anarquistas. Shane, por sua vez, ao lado de Kane, derrotou Triple H e X-Pac, da DX, no Raw de 15 de fevereiro de 1999, conquistando o cinturão europeu de X-Pac no processo, como estipulação do combate.

No WrestleMania, Shane defendeu o título europeu contra X-Pac, em uma revanche individual. No entanto, se alguém esperava acrobacias arriscadas na estreia do caçula McMahon no WrestleMania, se decepcionaria. A luta em si é bastante simples, com pouco destaque em seus quase nove minutos de duração. McMahon, retratado como um covarde, tenta escapar dos golpes de X-Pac e fugir do combate, que sofre interferências dos aliados da Corporation Pat Patterson, Gerald Brisco, Test e dos amigos de infância de Shane, a Mean Street Posse. No momento mais violento, Shane O’Mac usa um cinto de levantamento de peso de Test contra seu oponente.

A luta, na verdade, é usada apenas como pano de fundo para um avanço na história entre a Corporation e a D-Generation X. Mais cedo na noite, Chyna e Triple H se reconciliaram, com ela o ajudando a derrotar Kane e retornando à DX. No entanto, os dois abandonaram o grupo e se uniram à facção dos McMahon, com Triple H traindo X-Pac e o acertando com um Pedigree pelas costas do árbitro, garantindo a vitória para Shane. Excetuando este momento, a luta é pouco memorável e, talvez, a mais fraca da carreira de Shane McMahon no WrestleMania.

As coisas mudariam bastante dois anos depois, em 2001. A família McMahon se despedaçaria, incluindo cada um dos quatro membros da família acompanhando um lutador para a disputa pelo cinturão da WWF no combate final do WrestleMania 2000. Shane acompanharia Big Show, o primeiro eliminado do combate.

A história que levaria Shane ao WrestleMania X-Seven, em 2001, manteve a rivalidade familiar. Vince, o patriarca, iniciou uma jornada contra a própria esposa, Linda McMahon, presidente da WWF e mãe de Shane e Stephanie McMahon. Vince e Linda iniciaram um processo de divórcio por discordâncias das ações do comissário Mick Foley e, após sofrer um ataque de nervos, Linda passou a ser mantida em um estado catatônico, em uma cadeira de rodas, por Vince, novo presidente da companhia, e sua amante, Trish Stratus.  Shane veio ao resgate da mãe, até mesmo passando o pai para trás e comprando a World Championship Wrestling (WCW) de debaixo de seu nariz. Pai e filho se enfrentaram no WrestleMania, em uma Street Fight.

Com alguns poucos contratados da WCW na plateia, Vince e Shane entregaram um combate icônico em um dos WrestleManias mais elogiados da história. A luta, em si, não é tecnicamente ousada, muito pelo contrário: é uma sequência longa de socos e clotheslines, interrompida por narrativas fora do ringue. Mas elas funcionam. E como.

O combate entre pai e filho do WrestleMania X-Seven poderia ser conhecido, também, como A Danação de Vince. O presidente da WWF é punido durante toda a luta, apanhando de Shane, do árbitro Mick Foley, de Trish Stratus e até de Linda McMahon. Foley, aliás, mais atrapalha do que ajuda como árbitro. Mal posicionado, ele obstrui a câmera em diversos momentos, incluindo o clímax do combate: momento em que Shane aplica um Coast to Coast no pai. Felizmente, as edições posteriores do pay-per-view – em DVD e na WWE Network –  trocaram o take pelo de outra câmera.

Antes do Coast to Coast, no entanto, Shane fez seu primeiro movimento perigoso no WrestleMania durante este combate, explodindo a mesa dos comentaristas espanhóis com um cotovelo voador. No entanto, ficou claro que dois não-lutadores não conseguiriam segurar um combate inteiro, de quase 15 minutos. Lá pela metade da duração, após o cotovelo voador na mesa, nós deixamos pai e filho de lado para assistir a uma briga entre Stratus e Stephanie. E, logo depois, já temos a preparação para o final da luta, com Linda se levantando, despertando do estado catatônico e salvando Shane do pai.

Os expectadores explodem em êxtase com uma senhora levantando de uma cadeira. A luta, em si, é fraca, mas prova o quanto uma plateia engajada e uma história emocional e bem construída pode funcionar na luta-livre. Que este combate tenha sobrevivido nas mentes dos fãs e se sobressaído como um destaque de um dos WrestleManias mais populares da história é prova de que não é só de movimentos especiais e acrobáticos que é feita a luta-livre.

O retorno

Após o WrestleMania X-Seven e toda a história da invasão da WCW e da Extreme Championship Wrestling (ECW), Shane passou a ter cada vez menos participações televisionadas na WWE, até deixar a companhia do pai em 2009 para trabalhar com licenciamentos televisivos na China, com rumores de que a herança aparente da WWE para sua irmã e seu cunhado, Triple H, o teria afastado. Ele retornaria em 2016, na história, confrontando seu pai e sua irmã para tomar o controle do Monday Night Raw. Vince McMahon, então, marcou a primeira luta de Shane no WrestleMania em 15 anos: uma Hell in a Cell contra The Undertaker. O controle do Raw de Shane versus a possibilidade de Undertaker continuar a lutar em WrestleManias.

Na época, o condicionamento físico dos dois atletas foi questionado. Nenhum dos dois estava em uma rotina na luta-livre e ambos tinham mais de 45 anos (Shane tinha 46 e Undertaker, 50). E a preocupação se mostrou, em parte, bem fundamentada. O combate, com 30 minutos de duração, é bastante lento e os dois lutadores perdem o fôlego rapidamente, passando a maior parte da luta trocando socos e arranhando algumas submissões. O único objetivo é levar os dois ao clímax óbvio do combate, quando McMahon salta do topo da jaula, caindo em cima da mesa dos comentaristas, com Undertaker desviando.

A narração de Michael Cole, que faz referência a Mick Foley (“for the love of mankind“) é, até hoje, muito criticada por ser um tanto brega, mas traz uma boa trilha sonora para um momento que, com certeza, vai ser reprisado à exaustão no passar dos anos. A luta acaba logo em seguida, com Undertaker arrastando Shane ao ringue, os dois trocando desafios e McMahon tomando um Tombstone Piledriver para perder.

Mesmo com a derrota, McMahon recebeu o controle do Raw e, eventualmente, migrou para o SmackDown como comissário, nomeando o recém-aposentado Daniel Bryan como gerente geral da divisão. Como autoridade, Shane acabou em atrito com AJ Styles, que tentava uma chance pelo título da WWE, constantemente desconsiderado por Shane. Os dois se enfrentaram na luta de abertura do WrestleMania 33, em Orlando. No Survivor Series do ano anterior, cinco meses antes, Shane foi legitimamente nocauteado ao receber um spear de Roman Reigns durante um Coast to Coast e bater a cabeça na lona.

Com o ritmo da luta do ano anterior contra Undertaker e o nocaute meses antes, havia uma preocupação com a qualidade da performance de Shane, além da posição de AJ na hierarquia apenas pouco mais de um ano após sua estreia no Royal Rumble de 2016. E, como esperado, o combate teve seus problemas. Na primeira metade, McMahon arrastou Styles para seu estilo moderno, simplificado a socos e a algumas submissões derivadas do MMA, como o combate inteiro com Undertaker.

A segunda metade da luta foi acelerada, puxada para o estilo de AJ, com uma sequência bacana de trocas de Coast to Coasts, Shane novamente explodindo a mesa dos comentaristas com uma cotovelada e, mesmo cansado, fazendo um Shooting Star Press. Assim como no ano anterior, Shane foi derrotado. No entanto, o combate foi mais equilibrado, atingindo, muito por conta de AJ Styles, uma qualidade mais elevada.

Durante 2017, McMahon manteria uma rivalidade com Kevin Owens e Sami Zayn, que culminaria em um combate no WrestleMania 34: Owens e Zayn versus McMahon e Daniel Bryan. A saúde de Shane novamente entrou em pauta, com ele sendo internado semanas antes do WrestleMania com uma infecção causada por uma diverticulite. A incerteza do condicionamento físico de Shane também colocou em dúvida o ponto mais importante do combate: o retorno de Daniel Bryan aos ringues após três anos aposentado.

A luta seguiu como o anunciado, mas foi estranhamente roteirizada. De pronto, imaginava-se que o destaque do combate seria Bryan. Aliás, era o que esperava a plateia do Mercedez-Benz Superdome. No entanto, o combate foi construído do avesso, com Bryan sendo atacado por Owens e Zayn antes do soar do sino e Shane mantendo o combate 2 contra 1 por quase metade de sua duração. No ringue, nada de muito inovador, além de um Coast to Coast e sua habilidade em atuar como se estivesse sofrendo de dores no torso por conta da diverticulite.

Bryan assumiu a segunda metade da luta inteiramente, entregando os movimentos e emoções que a plateia esperava. McMahon desapareceu. De todo modo, apesar de ser historicamente relevante, o combate foi roteirizado de forma a transformar Shane em um espantalho, uma personagem qualquer que estaria ali para gerar antecipação para o retorno e Daniel Bryan ao ringue. O que funcionou, de verdade, mas às custas da qualidade e interesse no combate como um todo.

O vilão

Pela primeira vez desde seu retorno em 2016, McMahon se tornou um vilão em 2018. Egocêntrico, se colocaria como vencedor da WWE World Cup durante o Crown Jewel e trairia seu parceiro, The Miz, após uma derrota no Fastlane, já em 2019. Agora se intitulando o Melhor do Mundo (Best in the World), Shane enfrentaria Miz no WrestleMania 35, em Nova Jersey, em uma luta Falls Count Anywhere.

A estipulação permitiu que Shane levasse o combate no seu estilo moderno de socos. De todo modo, o combate não é muito mais do que uma caminhada entre dois momentos importantes. No primeiro, George Mizanin, pai de Miz, impede que McMahon aplique sua cotovelada do corner em cima de seu filho, na mesa dos comentaristas. E, depois, acaba sendo atacado pelo ricaço. Sem muito traquejo para artes performáticas, a participação de Mizanin chega a ser risível. Como vilão, Shane entrega uma boa personagem, mesclando o fato de que muitos setores dos fãs já não tinham tanto amor por suas participações esporádicas e centralizadoras. O lutador mais velho, riquinho, que claramente não tem a mesma habilidade que outros, mas que tem mais oportunidade.

O segundo momento finaliza a luta. Após uma andada trocando socos pelo MetLife Stadium e uma briga na fileira de comentaristas estrangeiros, os dois acabam em um andaime de câmeras, do qual Miz aplica um vertical suplex em Shane, caindo alguns metros em cima de uma estrutura acolchoada. Pela posição da queda, acima de Miz, Shane é declarado vencedor. Tecnicamente, a luta é fraca, nada além de um walk-and-brawl. Mas os pontos mais criativos, como a participação do Sr. Mizanin, o caos na mesa dos comentaristas internacionais e finalização no andaime, deixam o combate com uma boa reputação, merecidamente.

Após passar o WrestleMania 36 – pandêmico e sem plateia – Shane retornaria para seu combate final, por enquanto, na primeira noite do WrestleMania 37, em Tampa, Flórida, em uma jaula contra Braun Strowman. A rivalidade, quase que tirada de um desenho da Nickelodeon, não fez muito sentido. Com traços infantis, McMahon passou aleatoriamente a praticar bullying contra Strowman, zombando de sua fala, de sua inteligência e lhe jogando slime.

Apesar da fragilidade da construção da luta, o combate, em si, entrega. E muito. Talvez seja a melhor luta de McMahon no WrestleMania. Ela é inteira feita para Braun finalmente se vingar de seu algoz, um babaca covarde, agora sem saída. Nem com a ajuda de Elias e Jaxson Ryker, Shane consegue parar o rolo-compressor que é Strowman. Tanto Shane quanto Braun interpretam seus papeis brilhantemente e a ação é competente o suficiente para nos distrair do claro cansaço de McMahon. No ápice do combate, Shane nocauteia Strowman com uma caixa de ferramentas e consegue escalar a jaula. Antes de pular, no entanto, o arrogante McMahon resolve colocar a mão para dentro da jaula e zombar de Strowman. E, aí, perde.

Braun agarra a mão de Shane por dentro da jaula e o impede de escapar. Depois, com as próprias mãos, abre um buraco no arame e puxa McMahon para dentro. Eles escalam a jaula e, de lá, Strowman atira McMahon em um dolorido e limpo senton na lona. Depois, um powerslam correndo dá a vitória para Braun. Um divertidíssimo combate para encerrar, até agora, a série de lutas de Shane McMahon no WrestleMania.

Tá, mas e aí?

Shane McMahon é um lutador competente. Talvez isso se perca nos momentos de acrobacia e desafio da morte em que ele se coloca em todos os seus combates, dentro e fora do WrestleMania. Mas, quando se trata de construir um combate e criar uma ilusão para manipular os sentimentos da plateia, ele é competente. E isso é a luta-livre. 

Principalmente em suas apresentações mais recentes, fica claro que McMahon não tem mais a energia de antes. Claro, está mais velho, já com mais de 50 anos de idade. Seus movimentos são limitados pela idade e condicionamento físico e, em muitos casos, suas lutas ficariam limitadas a socos e pisões. Mas Shane não se contenta com apenas isso. Ele se vê obrigado a adicionar pitadas dos perigosos movimentos que o consagraram em juventude para dar ao público pagante um gostinho do Shane de outrora. Ele vai pular de jaulas e andaimes, vai tentar seus Coast to Coasts e suas cotoveladas do corner na mesa dos comentaristas. E, não, nem sempre o combate é bom ou interessante. Talvez, em sua maioria, não sejam nem um, nem outro. Mas isso não importa.

Ele irá fazê-lo porque é isso que ele sabe fazer. Contar histórias e colocar seu corpo em risco. Um lutador.

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.