Chris Candido na WCW
Apesar de ter conquistado o título mundial dos pesos-pesados da National Wrestling Alliance (NWA) em 1994, após toda a controvérsia e cisão da Extreme Championship Wrestling (ECW) da cooperativa, Chris Candido talvez seja um dos nomes mais subestimados da luta-livre. Não pelos fãs, que sempre o colocaram em seletas listas de grandes lutadores dos anos 90, mas pelas companhias em si. Candido foi um dos lutadores que trabalhou na World Wrestling Federation (WWF), World Championship Wrestling (WCW) e ECW no auge da guerra por audiência na década de 90. No entanto, não atingiu grande sucesso em nenhuma das três, apesar de seu talento.
Sempre com sua inconstante namorada Tammy Lynn Sytch, mais conhecida como Sunny, Candido é mais lembrado por seu tempo na WWF, como Skip, parte da dupla The Bodydonnas (ao lado de Tom Prichard, como Zip), ou por sua passagem na ECW como parte da Triple Threat com Shane Douglas e Bam Bam Bigelow. No entanto, pouco é comentada a estadia de Candido na WCW, no primeiro semestre de 2000. Entre a primeira e última luta de Candido na WCW, foram quase exatamente três meses. Na época, a WCW já estava em decadência e em um momento de turbulência. Eric Bischoff e Vince Russo, afastados, foram recolocados no poder pelo recém-nomeado Vice-Presidente Sênior pelo executivo Brad Siegel, com a missão de transformar a companhia. Em 10 de abril de 2000, 20 dias depois da estreia de Candido, Russo e Bischoff fizeram um reboot literal da WCW, vagando os títulos e apagando histórias em desenvolvimento.
Divisão dos pesos-leves e Tammy
Quando Candido estreou, no WCW Monday Nitro de 20 de março, a WCW não vencia a disputa pela audiência com o Raw, da WWF, há 72 semanas, desde outubro de 1998. Em sua estreia, Candido, usando o apelido “Hard Knox”, derrotou Lash LeRoux em pouco mais de três minutos em combate tecnicamente correto. Candido aplica movimentos limpos, bem pensados e colocados, como um belo vertical suplex e um dolorido guillotine leg drop. Antes da luta, Candido estabeleceu sua personagem: sem gimmicks, roupas, bordões ou uma assistente inútil, em suas palavras, dirigidas ao campeão dos pesos-leves The Artist Formerly Known as Prince Iaukea e à sua assistente Paisley, que estavam na mesa dos comentaristas. Paisley, falando por Iaukea, preocupou-se com Chavo Guerrero, Jr., recém-retornado e o desafiando pelo cinturão.
Eles avançaram a história em alguns pontos dois dias depois, no WCW Thunder de 22 de março. Primeiro, continuaram com uma característica que iniciaram na segunda: o exagero. Candido, para provar que sua vida foi muito difícil e que sempre está lutando contra injustiças, mente que já enfrentou Lou Thesz e Karl Gotch em uma luta 2-contra-1 no Japão. Depois, avançaram a história entre Candido, Iaukea e Guerrero, com Chavo e Chris interessados no título dos pesos-leves de Iaukea. Candido enfrentou Guerrero em um combate também tecnicamente correto, mais veloz que a estreia contra LeRoux, mas menos conexo.
Paisley, novamente como comentarista, distraiu o árbitro enquanto Iaukea atacou Candido, dando a vitória para Guerrero. Após a luta, em vingança, Candido acertou dois diving headbutts em Chavo. Os dois se enfrentariam em uma revanche no Thunder seguinte, mas ela também acabaria de forma controversa. Os primeiros minutos da luta são rápidos, com Candido adaptando seu estilo ao de Chavo. No entanto, logo depois, Iaukea e Michael Modest interferiram após um nocaute acidental do árbitro. Candido venceu com o seu diving headbutt em menos e dois minutos. Os quatro trocaram socos entre si até os bastidores.
A história foi abandonada pelo reboot da WCW em 10 de abril, com título dos pesos-leves sendo vago e colocado em disputa no pay-per-view Spring Stampede, em um combate entre Candido, Iaukea, LeRoux, Crowbar, Shannon Moore e Juventud Guerrera. Os seis foram colocados em uma luta de trios no Thunder anterior ao pay-per-view: um combate caótico e desconjuntado, com pouca lógica ou coerência, repleto de interferências, e que acabou com Candido sendo derrotado por Crowbar.
A luta no pay-per-view foi pior ainda. Uma bagunça, com lutadores claramente perdidos e despreparados, como LeRoux, Crowbar e Daffney. O ex-campeão, The Artist, também dá sua errada, chacoalhando uma corda errada para derrubar Candido do corner e, depois, tendo que refazer uma sequência contra Candido na corda mais alta por outro erro. Enquanto Artist preparava seu DDT do corner, Paisley colocou uma cadeira no ringue. Tammy Sytch finalmente fez sua estreia na WCW, vestindo um robe transparente e derrubando Iaukea na cadeira, permitindo que Candido fizesse o pin e conquistasse o título dos pesos-leves. Uma luta péssima.
Depois, Tammy e Paisley se engalfinharam para delírio dos comentaristas, já iniciando a próxima história envolvendo Candido, Tammy, Iaukea e Paisley. Chris imediatamente perdeu espaço para Tammy, com os dois casais se enfrentando no Nitro de 24 de abril. Foi a primeira luta de Tammy desde outubro de 1998 e apenas a segunda televisionada de Paisley. Como esperado, o combate não foi bacana. Com menos de dois minutos de ação, o holofote foi inteiro para as mulheres, enquanto Candido e The Artist novamente trocavam movimentos mal colocados. Logo no início, um shoulder block foi tardiamente vendido como uma trombada que nocautearia os dois, por exemplo, com Candido perdendo o timing. Tammy venceu a luta para sua dupla, com uma inofensiva sentada na barriga de Paisley.
No Thunder, dois dias depois, Tammy e Paisley se enfrentaram em uma luta truncada, a primeira individual da carreira de Paisley. Aqui, com Candido interferindo e tomando algumas porradas mal dadas de Paisley, ficou claro o problema nesse primeiro mês de Chris Candido na WCW: experiente e tecnicamente proficiente, Candido foi forçado em uma divisão formada por lutadores inexperientes, iniciantes com pouca qualidade, como The Artist, Lash LeRoux, Paisley e a própria Tammy. Logo de cara, Candido foi colocado em situações nas quais não conseguiria mostrar sua capacidade: o teto era muito baixo.
New Blood
Neste período, Candido e Tammy se associaram ao grupo vilanesco The New Blood, liderado por Eric Bischoff e Vince Russo, que se embrenhou em uma guerra civil com o The Millionaire’s Club de Ric Flair e Hulk Hogan. No Thunder de 3 de maio, as duas facções se enfrentaram em uma battle royal por uma chance pelo título mundial no The Great American Bash. Candido é apenas coadjuvante de, talvez, a battle royal mais caóticas e confusas já feitas. Diversos lutadores foram entrando durante o combate, como participantes ou como interferências. Em determinado momento, os comentaristas Bobby “The Brain” Heenan e Tony Schiavone confessam não saber de qual grupo Candido fazia parte. Ele acabou eliminado por “Macho Man” Randy Savage, um dos lutadores a interferir no combate. E, de todo modo, no The Great American Bash, o título seria defendido contra Kevin Nash, que nem estava nessa luta.
O caos da battle royal se justifica, já que estava a quatro dias do pay-per-view Slamboree. A abertura: um novo combate entre Candido e The Artist pelo título dos pesos-leves. A luta começa interessante e veloz, mas rapidamente descende em movimentos mal colocados e falhas óbvias de Artist. O final da luta, que encerra finalmente essa rivalidade, também é quebrado. Tammy usa uma cadeira contra Paisley e acaba, acidentalmente, também nocauteando Artist. Candido faz o pin, o árbitro conta o três e o sino toca… mas o juiz decide seguir o combate, dizendo não ter contado o três. A luta continua, com Candido acertando um piledriver e uma cabeçada do corner para vencer corretamente. Uma bagunça para encerrar uma luta quebrada e finalizar uma rivalidade de poucos destaques. Essa, também, foi a última aparição de Candido em um pay-per-view da WCW.
Candido defendeu o cinturão dos pesos-leves contra Crowbar no Thunder de 10 de maio em uma luta competente, mesmo com o oponente quebrando alguns movimentos pela falta de experiência. Daffney, em um ponto, atacou Candido às vistas do árbitro, que não declarou desqualificação. Candido manteve o cinturão e, com os novos oponentes, avançou de Artist e Paisley para Crowbar e Daffney. Com Tammy, parece estar preso a outros casais.
No Monday Nitro seguinte, Candido colocou o título dos pesos-leves em jogo em uma luta de duplas: ele e Tammy contra Crowbar e Daffney. Não, não faz, sentido. Nos momentos em que Candido e Crowbar se enfrentaram, ficou claro que os dois tinham química e com um pouco mais de história e tempo, conseguiriam entregar algo interessante. Aliás, a ofensiva de Crowbar, incluindo uma Vader Bomb da barricada contra Candido, foi interessante e até um pouco irresponsável, com lembranças de Mike Awesome e Masato Tanaka entre os oponentes. Tammy, no entanto, foi de longe o ponto fraco do combate, dando cadeiradas fraquíssimas e gargalhando enquanto recebia um Bronco Buster de Daffney. Após uma dança de Miss Hancock (Stacy Keibler) para distrair os lutadores, Daffney rolou Sytch para vencer a luta e levar o título dos pesos-leves. Ela e Crowbar seriam co-campeões por uma semana, enquanto Candido deixaria a divisão dos pesos-leves em breve.
Tammy e Candido foram ao WCW Worldwide em 27 de maio e, em entrevista a “Mean” Gene Okerlund, disseram que iriam fazer o primeiro desafio aberto para enfrentar outro casal na história da WCW, com Okerlund lembrando da derrota anterior e, de forma hilária, Candido tentando arranjar desculpas sem sentido. Eles acabaram enfrentando Shawn Stasiak e Mona, a futura Molly Holly. O combate tem menos de três minutos e Stasiak abandona Mona contra Chris e Tammy. Mona acerta um suplex feio em Candido pra fora do ringue, mas acaba tomando um stunner de Tammy e perde. Essa seria a última luta de duplas do casal até 2003, quando enfrentariam Eddie e Stacy Colón na porto-riquenha World Wrestling Council (WWC).
A participação de Candido na divisão dos pesos-leves acabaria no Thunder, em 24 de maio, com ele enfrentando a campeã Daffney e The Artist pelo título dos pesos-leves. A luta, curtíssima, teve apenas uma pequena troca competente entre Artist e Candido, antes de Tammy comprar a prancheta de Miss Hancock e acidentalmente nocautear Candido. Na queda, Daffney consegue um pin acidental em Candido para manter o cinturão. Mais um desperdício de Candido. E, a partir daqui, Tammy não acompanharia mais Candido ao ringue.
Ainda como aliado da New Blood de Eric Bischoff, Candido foi utilizado pelo chefão durante o Thunder de 31 de maio contra o campeão hardcore Terry Funk, desafeto de Bischoff. Antes de enfrentar o lendário Funker pelo cinturão, Candido – usando as mesmas roupas do oponente – insultou a plateia e disse estar feliz por finalmente ter um direcionamento, já que havia deixado a WWF e a ECW justamente por não ser utilizado corretamente. Os dois brigam pelos bastidores, com Funk acertando uma série de cadeiradas fracas e seguras, antes de jogar Candido atrás de um caminhãozinho e dirigi-lo até um estábulo perto da arena. Os dois brigam pelo feno e esterco até adentrar uma baia. Em um momento clássico, Funk aplica um piledriver em Candido e toma imediatamente um coice de um cavalo assustado no braço. A luta continuou, com Funk quebrando uma mesa com Candido, nocauteando o árbitro com uma lata de lixo… para logo depois jogar um balde de água e acordar o juiz para contar o pin e vencer o combate. O coice é memorável e uma luta acontecendo num estábulo é interessante, mas o combate em si não traz nada de muito inovador, principalmente para Chris Candido.
Como capanga da New Blood de Russo e Bischoff, Candido participou de uma Gauntlet contra Kevin Nash no Nitro de 5 de junho. Caso Nash perdesse de um dos membros do grupo, seria retirado da luta pelo cinturão mundial no The Great American Bash. Candido foi o segundo membro do grupo a enfrentar Nash, tomando uma big boot e uma Jackknife Powerbomb para ser eliminado. Por algum motivo, o árbitro contou os pinfalls sem Nash necessariamente estar tocando os lutadores. Candido, por exemplo, foi eliminado por estar com os ombros na lona por três segundos. Péssimo. Tão ruim que eles optaram por fazer uma luta igual no Thunder dois dias depois.
Dessa vez, o pessoal do New Blood enfrentou Scott Steiner, que enfrentaria Rick Steiner e Tank Abbott em uma jaula no The Great American Bash naquele domingo. Candido foi o primeiro oponente de Steiner, tomando dois suplexes – um do corner, para ser justo – antes de ser eliminado. Se o período de Chris Candido na divisão dos pesos-leves foi ruim, repleto de lutas desconjuntadas e oponentes verdes, a passagem dele pela WCW como capanga da New Blood foi terrível. Apenas um número preliminar, fácil de humilhar e ser usado como forragem de um grupão.
O fim da linha
No Thunder de 14 de junho, Candido reformou sua parceria com Bam Bam Bigelow (os dois eram membros da Triple Threat na ECW com Shane Douglas) para enfrentar Bryan Clark e Brian Adams, da Kronic. O combate, rápido, foi feito apenas para reforçar a importância e força da Kronic às custas de Candido, já que Bigelow passou a maior parte da curta luta fora do ringue. A carreira de Chris na WCW parece acabada. Mais tarde no mesmo episódio, Bam Bam e Candido auxiliaram Douglas contra Buff Bagwell e Kronic.
Candido enfrentaria Christopher Daniels no WCW Worldwide de 17 de junho. Essa seria a primeira das poucas lutas de Daniels na WCW, na época, um dos grandes nomes do circuito independente tentando contrato com as grandes empresas. E, bem, a luta de Candido contra uma estrela independente no programa C da WCW é a melhor de toda a sua estadia na empresa. O veterano permitiu que Daniels brilhasse, mas se manteve no controle durante todo o combate. Como, por exemplo, uma reversão de um tornado DDT em um northern lights suplex. Ele venceria com seu sitout piledriver, seguido pelo diving headbutt. Essa luta seria o último combate individual de Candido na WCW.
A Triple Threat reunida enfrentaria Bagwell e Kronic no Nitro de 19 de junho. Com um pulso quebrado, Candido entraria na luta apenas para quebrar um pin em Bam Bam com um pé-de-cabra pelas costas do árbitro. A última luta oficial de Chris Candido na WCW seria exibida em 21 de junho, no Thunder. Ele e Bam Bam versus Bagwell em uma luta 2-contra-1. Surpreendentemente, mesmo com metade do antebraço engessado, Candido participou ativamente da luta. A parceria de Bigelow e Candido funciona, apesar da dupla ser colocada como dois capangas desajeitados. Eles vencem, após Douglas atacar Bagwell com um cano pelas costas do árbitro.
Pouco tempo depois, Chris Candido e Tammy Sytch foram demitidos da WCW. Segundo artigo da época, de Blake Norton, da IGN, durante gravações, foram encontrados “equipamentos” de uso de drogas no vestiário feminino. Circularam rumores de que o material pertencia a Tammy, com Vince Russo dizendo, no site da WCW, que não poderia comentar o caso por envolver questões jurídicas. Candido e Tammy seriam demitidos, com Chris fazendo turnês pela New Japan Pro Wrestling (NJPW) e lutando pela Total Nonstop Action Wrestling (TNA) antes de morrer vítima de uma pneumonia aguda em 2005.
A tragédia de Candido e Sytch os perseguiu desde que deixaram a Smoky Mountain Wrestling (SMW) de Jim Cornette, na metade dos anos 90, e foram para a WWF. Atazanado pelo Kliq, Candido deixou a companhia, sendo seguido por Sytch, demitida por se recusar a dar entrada em uma clínica de reabilitação. Os dois também teriam resultados parecidos na ECW, deixando a companhia após problemas com drogas.
Neste ponto da carreira, a dupla era vista como talentosa, mas problemática, e não é coincidência que novamente drogas causaram a demissão do casal, desta vez na WCW. Mas, também, ajuda a explicar o fracasso de Candido na companhia. O casal era muito instável para ser colocado em qualquer lugar de destaque, apesar do claro talento de Candido. Ele acabou o tempo todo sendo colocado com novatos com pouco a oferecer na parte baixa do card e, em grande parte, tirou leite de pedra. No entanto, quando foi tirado da cena individual dos pesos-leves e colocado junto com Tammy, foi ladeira abaixo. A ladeira era baixa, é verdade, mas Candido rolou mesmo assim.
Os combates com Tammy foram péssimos e Chris imediatamente se tornou “apenas mais um” no grupão New Blood, sendo humilhado e maltratado. Logo depois, seria colocado em um novo grupo, na reformada Triple Threat, quando uma lesão no pulso atrasaria seus planos. E esse foi o fim da passagem dele pela WCW. Muito foi culpa da WCW, caótica e desorganizada, sim, mas também não se podia confiar em Candido, ainda mais com Sytch ao seu lado. Sua melhor luta foi, de longe, contra Christopher Daniels, quando lhe foi permitido, sem amarras, sem Tammy, sem New Blood, ser a melhor versão de si. Um lutador competente, capacitado, eternamente preso.